quinta-feira, 6 de abril de 2017

Sweet home (para todos aqueles que irão finalmente viajar para casa amanhã ou - como eu - só no sábado...)

De tão estourada que eu estou, era capaz de ficar a dormir até à uma da tarde, mas vou acordar, ansiosa, por volta das dez. Terei duas chamadas não atendidas. Vou devolvê-las ainda ensonada:
- Era só pra saber se já estavas a caminho? 
- Não, acabo de acordar, vou arrumar as coisas, tomar banho, meter gasóleo e devo sair na hora do almoço. Depois ligo-vos. 
E durante a viagem, vou ter várias chamadas com a mesma pergunta: 
- Onde vens? 
- Estou a chegar a Beja / a Évora / a Estremoz / a Portalegre / a Castelo Branco / ao Fundão / à Covilhã / à Guarda… 
- Ok, então quando estiveres em Viseu, avisa, sim? 
E quando eu chegar a Viseu, vou avisar: 
- Estou em Viseu. 
- Mais uma horita, então? 
- Sim, mais ou menos. 
A dez quilómetros de casa, quando sair da via rápida, vou mandar mensagens aos amigos que assim mo pediram “Cheguei!”, para não ter de o fazer quando chegar realmente. 
E quando chegar realmente, vou ter os portões todos abertos, com o meu pai, de mãos nos bolsos, à espera, na entrada da garagem - um pouco como eu e o meu irmão fazíamos em miúdos cada vez que ele regressava do trabalho à noite -. Vou ter o canito a correr até ao carro, a arranhar-me a porta toda enquanto eu não a abrir. E quando eu sair, vai dar pulos sem fim, até que eu me agache e lhe faça umas festas. Depois, vai fingir que está farto das festinhas, vai correr à volta do carro, feito tolinho, para se pôr novamente aos pulos até eu me agachar de novo. E vai correr outra vez. E eu vou aproveitar para abraçar e beijar o meu pai. Vai parecer-me mais velho e mais baixinho, mas sei que, no dia seguinte, à luz do dia, essa impressão terá desaparecido. “A minha Liloooocas!”, dirá ele. E o cão, com ciúmes, a saltar à nossa volta. “Vai, sobe, vai comer que a tua mãe está à espera. Deixa o carro aberto que eu levo as malas!” e vai distrair o cão: “Paluto!!! (Chama-se Pluto, mas o meu pai gosta de o chamar de “Paluto”). Tu es gentil! Un gentil garçon!” (Gosta de falar Francês com o cão…).
E vou trancar o carro para que o meu pai não carregue as malas. Não quero que ele se canse. E vou subir. E nas escadas, vou gritar “Mamããã!” (Sim, tenho 40 anos e faço questão de chamar a minha mãe de "Mamã" e o meu pai de "Papá"). E vou ouvir da cozinha “Aqui!”. E vou vê-la a pôr o prato na mesa para mim. E vou abraçá-la e beijá-la. E vai parecer-me mais velha e mais abatida, mas sei que, no dia seguinte, à luz do dia, essa impressão terá desaparecido. E vou ter uma alheira para jantar e um copo de Gazela (Não sei se combina, mas eu gosto, e ela sabe disso). E o meu pai vai contar-me todas as cusquices da aldeia. E a minha mãe vai mandá-lo calar. 
Ele será o primeiro a ir dormir: “Je vais me coucher! Já passa da minha hora!” (Também gosta de falar Francês connosco). Ela vai tentar fazer-me companhia, adormecendo várias vezes ao meu lado, com a cabeça a cambalear. E eu, sentada à lareira, mesmo que sem fogueira, vou aproveitar todo aquele calor até às últimas... Vou ter testes de profissionais para corrigir, vou ter a m*** (desculpem-me o "m***") dos concursos que me vão tirar o sono numa altura que eu queria de descanso, mas vou ter também aquele calor... E, não me lixem, bem que merecemos e precisamos desse calor alguns dias por ano... 

9 comentários:

  1. Descrição fiel de uma realidade que conheço tão bem, Dalila.
    Bom regresso a casa e bom descanso!

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  2. Tao comovente, Dalila. Eu costumo fazer o percurso inverso, de norte para sul, com destino a Castelo Branco. Bom descanso e boa sorte para o concurso. E continue a animarmos com a sua característica boa disposição, aqui pelo nosso estaminé!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Para mim - que sou lamechas - este passou a ser o post número 1 da Dalila. Obrigado pela partilha.

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  5. Amei... Revi-me em todas as suas palavras.... Tantas vidas semelhantes e distantes...
    E somos fortes, continuamos esta luta Fortes e os fracos que comandam as nossas vidas através de concursos obsoletos porque dos fracos não reza a história. Até porque não aguentariam 1/3 daquilo a que estamos sujeitos. Boa sorte para Todos e Muito Obrigada pela partilha deste texto tão biográficos e, simultaneamente, tão PLURAL....

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  6. Gostei muito! Parabéns pelo texto, bom descanso e boa sorte nos concursos.

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  7. Fantástico... fiquei com pele de galinha ao ler o texto...

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  8. A minha viagem parava em Viseu, mas o resto do percurso era igual! E as saudades! E o calor! Agora já faço a viagem todos os dias (tenho 43 anos e saí do QZP do baixo Alentejo no último concurso): duas para a escola e duas de regresso a casa é mais de metade do ordenado na estrada. Talvez um dia consigamos...Para já resta-nos gostar do que fazemos.

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  9. A minha viagem parava em Viseu, mas o resto do percurso era igual! E as saudades! E o calor! Agora já faço a viagem todos os dias (tenho 43 anos e saí do QZP do baixo Alentejo no último concurso): duas para a escola e duas de regresso a casa é mais de metade do ordenado na estrada. Talvez um dia consigamos...Para já resta-nos gostar do que fazemos.

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