quinta-feira, 3 de maio de 2018

Da teimosia inqualificável...


Comentário: Como todos decerto já saberão na semana passada, ficámos a saber que o Governo "requereu a fiscalização da constitucionalidade do número 6 do artigo 5.º da Lei n.º 17/2018, de 19 de abril, aprovada pela Assembleia da República, que impõe a distribuição em 2018 de horários completos e incompletos a docentes de carreira por pôr em causa os princípios de salário igual para trabalho igual e por provocar aumento de despesa não orçamentada"

E quais os argumentos governamentais para este pedido de fiscalização? São dois, e são de fácil (mas de difícil "digestão") leitura:

1 - "(...) a atribuição de horários incompletos a professores do quadro (que auferem a totalidade do seu salário independentemente do número de horas que lecionem) viola o princípio constitucional do salário igual para trabalho igual. Atribuir horários incompletos a docentes que auferem salário integral é injusto para os professores vinculados que lecionam horários completos pelo mesmo salário, e para os professores contratados que auferem o salário correspondente às horas que lecionam."

2 - "Acresce que a colocação de professores do quadro em horários incompletos implica a contratação de milhares de professores contratados para ocupar os horários completos deixados vagos pelos professores do quadro, pelo que, além de ser uma medida injusta, é uma medida de má gestão dos recursos existentes que, caso tivesse sido adotada em 2017, teria gerado um acréscimo de despesa de 44 milhões de euros."

Para quem não percebe nada da organização da escola pública estes argumentos até poderiam fazer sentido, mas de facto não é assim... Estamos perante argumentos falaciosos, porque acima de tudo porque são falsos.

Relativamente ao argumento 1, importa esclarecer que o horário de um professor não é apenas a sua componente letiva (aquilo que efetivamente é lançado a concurso), mas sim uma soma entra esta componente e a componente não letiva. E a componente não letiva é tão ou mais importante, e não menos trabalhosa. Um colega do quadro não trabalha menos horas na escola, só porque foi colocado com menos horas letivas. O Governo sabe disso!

No que concerne ao argumento 2, desconheço de que forma foi contabilizada a hipótese de um acréscimo de despesa de 44 milhões de euros, até porque com a atual mecânica dos concursos, surgem sempre horários completos e incompletos a jusante das colocações da Mobilidade Interna (e este é um dos muitos problemas dos nossos concursos de professores), ocupados também por professores dos quadros. Para além disso, é natural que haja um menor recurso a professores contratados, porque (entre outros factores) também tem ocorrido um maior número de vinculações extraordinárias. Gostava mesmo de saber como o Governo chegou aos 44 milhões de euros de poupança.

Obviamente que podemos estar perante múltiplas interpretações para esta posição governamental, mas é relativamente fácil concluir que estamos perante uma "birra" de alguém que não conseguiu assumir que errou, que tentou disfarçar esse erro com poupança, e que perante uma "chamada de atenção" da Assembleia da República, resolveu ir fazer "queixinhas" ao Tribunal. 

2 comentários:

  1. Como chegar aos 44 milhões:

    "Deste modo, através da contratação inicial [o concurso destinado aos contratados] procedeu-se à contratação de 2300 professores não vinculados, em vez dos quatro mil que seriam necessários caso não se tivesse tomado aquela opção”" (https://www.publico.pt/2018/04/27/sociedade/noticia/ministerio-mudou-regras-e-poupou-40-milhoes-1815472)

    1- Vencimento de 1 professor contratado com horário completo= 1518,63 euros

    (Para simplificar as contas vou arredondar para 1500 euros)

    2- Despesa gasta num ano com 1 professor contratado = 1500 x 14 = 21000 euros

    3- Despesa total com os 1700 professores contratados a mais referidos na (4.000 - 2300) = 21000 x 1700 = 35 700 000 euros

    4- 44 000 000 - 35 700 000 = 8 300 000.
    Este valor poderá corresponder a diferença de ordenado dos professores do quadro relativamente aos professores contratados (muitos dos professores efetivos já não estão no 1º escalão, pelo que o vencimento mensal é superior). Multiplicar essa diferença, que não fornecida pelo ME, por 14 e pelo numero de professores do quadro deverá dar aqueles 8 300 000).

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  2. Há 10 anos atrás, a blogosfera e outras plataformas digitais estavam ao rubro e falavam exclusivamente dos preparativos para a manifestação a realizar em Lisboa, de protesto contra a destruição da carreira docente. Milhares de profs declaravam enfaticamente a sua participação na manif e galvanizavam todos os outros para participar também.
    Atualmente, o silêncio é ensurdecedor em relação à manif convocada para dia 19, o que revela que a batalha está efetivamente perdida no campo da reivindicação, estando a classe profissional resignada à sua condição de ausência de carreira.

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