segunda-feira, 7 de abril de 2008

O tempo do professor-escrivão.

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Comentário: No decorrer da minha pesquisa diária, deparei-me com este excelente artigo de opinião, da autoria de Carlos Ceia. Recomendo a sua leitura integral, no entanto, coloco aqui no blog o que considerei mais relevante. De uma clareza fantástica e que sugere (implicitamente) uma reflexão... Por todos nós (professores), mas acima de tudo pela população em geral. Vale a pena "perder" uns minutos com a leitura deste artigo. Por causa dele, quase chegava atrasado ao primeiro bloco de aulas da manhã...
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No sítio do Educare - Artigo de Opinião - a 07/04/2008: "Há modelos eficazes de avaliação de professores por esse mundo fora que podiam ter sido adoptados de forma quase consensual, sobretudo se o objectivo tivesse sido o da simplificação do modelo...

A educação pública em Portugal, ao nível dos ensinos Básico e Secundário, está sob avaliação constante de todos os portugueses, porque todos se sentem capacitados para sobre ela se pronunciarem como não fazem para outras áreas sociais e porque todos os políticos a tomam como frente de batalha em nome do progresso social. (...)Todos acreditamos ter uma solução para a educação pública, mesmo nos casos (a maior parte) em que apenas opinamos por opinar.

Esta falácia comunicacional tem ajudado mais a destruir a educação pública do que a contribuir para a sua democratização, como seria, em teoria, desejável. O papel social do professor em Portugal está tão diminuído que qualquer política que tente regular as condições da profissionalidade do professor está condenada a dois tipos de sentença dadas em simultâneo: a dos próprios professores que lutam contra um legislador que odeia a profissão, e a da própria sociedade não educativa que odeia os professores, porque os vê como resistentes à mudança. Só uma política de reconciliação de todos os intervenientes na educação pública podia ter êxito e essa postura reconciliadora está longe de qualquer agenda política verdadeira.

(...)O que pode explicar esta situação estranha é o predomínio de bons políticos na área da educação que aparecem rodeados dos técnicos mais incompetentes, cuja acção coloca os políticos das boas ideias num beco sem saída: a necessidade de defender uma boa ideia para a educação com uma péssima adequação legislativa. (...)

Está correcto e aplaude-se o texto da lei que justifica que "a criação da categoria de professor titular tem como objectivo dotar as escolas de um corpo de docentes altamente qualificado, com mais experiência e formação, que assegure em permanência as funções de organização dos estabelecimentos de ensino, para a promoção do sucesso educativo, a prevenção do abandono escolar e a melhoria da qualidade das aprendizagens." (Decreto-Lei n.º 200/2007). (...)Dividir a classe em duas categorias profissionais era o mínimo possível e aceitável, em teoria. A prática resultou na desvirtuação total do princípio correctamente enunciado na lei. Ser professor titular foi uma lotaria e não um efeito de uma avaliação do mérito profissional: quem esteve no lugar certo, no tempo certo (últimos sete anos), na função certa, teve o primeiro prémio; muitos que o mereciam de igual forma ficaram com a terminação e com a fracção em branco. Se a avaliação do mérito de um professor para ascender à categoria de topo ("titular") se pode medir apenas pelo trabalho desenvolvido nos últimos sete anos de actividade profissional (para uma carreira que pode ir em média aos 35 anos de serviço), então toda a avaliação de mérito na função pública, pelo menos, deve ser feita com o mesmo critério, isto é, em termos comparativos, uma legislatura de quatro anos só deve ser avaliada pelo trabalho feito nos últimos oito meses. (...)Por que razão os muitos (para)comentadores da avaliação dos professores fingem ignorar que jamais aceitariam que nas suas próprias profissões fossem avaliados pelos seus actos profissionais mais recentes? De notar que o Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro, vai definir, correctamente, que o desempenho do professor seja avaliado na dimensão do "Desenvolvimento e formação profissional ao longo da vida". Como os actuais professores titulares foram avaliados por sete anos de desempenho profissional, conclui-se que a vida de alguns professores é mais curta do que a de outros, aos olhos do circunspecto legislador.

A escola pública portuguesa está, então, dividida em professores titulares e professores com mais mérito do que os titulares por razões formais e não por excelência curricular. Um sistema de avaliação de professores não pode estar dependente do cumprimento contabilístico de um conjunto de regras, que até ignoram a maior habilitação académica dos avaliados e permitem que um licenciado possa avaliar um colega de profissão que possui um grau académico superior. (...)O sistema actual está já pervertido e será muito difícil corrigir os erros e as injustiças já semeadas.

Há modelos eficazes de avaliação de professores por esse mundo fora que podiam ter sido adoptados de forma quase consensual, sobretudo se o objectivo tivesse sido o da simplificação do modelo (não do acto de avaliação, algo que muitos comentadores tendem a confundir) e o da garantia de imparcialidade e hierarquização dos avaliadores, sem a qual não haverá nunca avaliação justa. (...)

Há ainda a denunciar medidas tão incompreensíveis como o timing de aplicação das leis (novo estatuto do aluno - aquele que não precisará de aprender para ter sucesso - e novo modelo de avaliação dos professores, que surgem a meio de um ano lectivo) e a incapacidade para dialogar e ouvir quem também, como o governante, deseja o melhor para a escola pública. Mas de que serve haver ministros que defendem fazer muitas reuniões com os parceiros educativos, se têm ignorado todos os pareceres construtivos quer desses parceiros quer do próprio Conselho Nacional de Educação?

Na escola pública actual, só parece haver lugar para quem souber executar tarefas programadas em decreto-lei. Está a impor-se o burocrata das fichas, registos de faltas, grelhas, matrizes, relatórios, actas, planificações, projectos educativos, planos individuais, etc. O professor que tem o poder de pensar na matéria do seu ensino, reflectir sobre a melhor aprendizagem dos seus alunos e conduzir-se a um patamar de realização profissional de excelência académica está a ser suprimido por decreto.

(...)Vivemos o tempo do professor-escrivão, aquele que deverá dispensar o saber criativo do educador e que se distinguirá no desempenho administrativo e nas boas acções, aquele que sabe calcular o sucesso escolar em função da proporcionalidade pré-destinada por decreto legal. Chegou o fim da criatividade, da espontaneidade e do livre-pensamento, para triunfar o modelo de escola acéfala que apenas produz estudantes autómatos cujos actos se traduzem mecanicamente em fichas de avaliação que programam todos os comportamentos. O professor-escrivão não se distingue deste tipo de aluno - ele é o modelo de professor com que qualquer estatística governamental sonha. Não tardarão aí as boas notícias da OCDE sobre o elevado crescimento do sucesso escolar português."

Ver Artigo Completo (Educare)

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