Enviado pelo colega João Medeiros para a minha caixa de correio electrónico e a merecer divulgação. Pode ser útil como documento de trabalho para uma tomada de posição similar.
"Exma. Senhora
Presidente da Comissão Administrativa Provisória
Agrupamento de Escolas da Moita
Dra. Isabel Roma
ASSUNTO: Pedido de escusa do cargo de relator
O artigo 40º do Estatuto da Carreira Docente, intitulado “Caracterização e objectivos da avaliação do desempenho” refere, no ponto 3, alíneas a), b) e h), respectivamente: “contribuir para a melhoria da prática pedagógica do docente”; “contribuir para a valorização do trabalho e da profissão docente” e “promover o trabalho de cooperação entre os docentes, tendo em vista a melhoria do seu desempenho”.
Contudo, a realidade da nossa escola, no decurso do seu labor quotidiano, corre o risco de comprometer esse objectivo. As tarefas burocráticas exigidas ao professor/relator vêm ocupar o tempo destinado à preparação das actividades lectivas, à construção de materiais didácticos que se querem inovadores, ao acompanhamento de projectos diversos. Além disso, a existência de quotas vai perturbar a vida escolar pois suscita a competição entre pares e põe em causa o trabalho colaborativo. Como poderia este modelo de avaliação – em que se é relator de um seu parceiro e em que se concorre com ele por meio de quotas – contribuir para a melhoria da função docente?
A aplicação deste modelo de avaliação tem implicações negativas no funcionamento da escola, nomeadamente a nível das relações interpessoais e da redução das horas de acompanhamento dos alunos.
O modelo envolve, de forma continuada, todos os professores como avaliados e muitos como avaliadores, num processo complexo em que os avaliadores não estão legitimados, pese o questionável critério da senioridade, imposto pela lei.
A avaliação é feita pelos pares. Avaliados e avaliadores concorrem às mesmas quotas sem que estejam garantidos os princípios da isenção e de ausência de conflito de interesses.
A prioridade estabelecida para este processo e o tempo que inevitavelmente consumirá conduzirá à redução das horas de acompanhamento dos alunos.
O tempo necessário para fazer o acompanhamento de todos os professores, tendo em conta padrões de desempenho, definição de instrumentos de avaliação, preenchimento das fichas de avaliação, realização de reuniões da Comissão de Avaliação e Júri de Avaliação, assistências a aulas, entrevistas, etc…, acabará inevitavelmente também por recair sobre a componente de trabalho individual dos professores tão essencial à preparação de aulas, produção de materiais, correcção de trabalhos, etc…
Apesar de estarmos a poucos meses do fim do ciclo de avaliação em curso e cuja duração foi fixada em dois anos, existem inúmeras dúvidas, lacunas e incongruências legais.
Sendo as quotas (% de Muito Bons e Excelentes) por escola, como se resolve o conflito de interesses existente quando elementos da Comissão de Avaliação e relatores concorrem à mesma quota dos professores a quem atribuem Excelente ou Muito Bom?
Qual a legitimidade de os coordenadores poderem assistir a aulas dos relatores e o Director dos coordenadores, não avaliando a qualidade científica do trabalho? Faz sentido separar a dimensão pedagógica da científica, quando se observa uma aula?
A legislação sucessivamente publicada e os esclarecimentos que a DGRHE tem vindo a dar às escolas, por vezes de legalidade duvidosa, não ajudam e confirmam que o modelo não é exequível.
Por exemplo, no que respeita ao tempo, o Decreto Regulamentar nº 2/2010 de 23 de Junho, refere explicitamente no artigo 14º, ponto 3 “Os relatores que não exerçam em exclusividade as funções … beneficiam da redução de um tempo lectivo por cada três docentes a avaliar.” O despacho n.º 11120-A/2010 de organização do ano lectivo, publicado em 6 de Julho de 2010, refere no Artº 8º, ponto 1 “Para efeitos de avaliação do desempenho do pessoal docente deve considerar-se o critério, por relator, de um tempo lectivo semanal para avaliação de três docentes” e a informação da DGRHE – ORGANIZAÇÃO DO ANO ESCOLAR, de 26 de Julho de 2010 – refere “As horas de redução a que os relatores têm direito para o exercício das funções de avaliação de desempenho de outros docentes aplicam‐se em 1º lugar sobre as horas de redução da componente lectiva que o docente beneficia ao abrigo do art.º 79 do ECD e sobre horas da componente não lectiva de estabelecimento e só depois, em caso de insuficiência, na componente lectiva”. A circular B10015847T estabelece que “a função de avaliação dos relatores pelo coordenador de Departamento curricular integra-se nas funções de coordenação deste, não existindo qualquer previsão legal para uma redução específica de componente lectiva em razão desta função”. Ou seja os coordenadores de departamento não têm qualquer tempo destinado ao desempenho das funções de relator, embora possam ter de avaliar vários professores/relatores? Como podem desenvolver, de forma séria, este e todo o trabalho de coordenação previsto na lei e no Regulamento Interno da escola? Afinal há ou não direito a redução da componente lectiva de 1 hora para 3 professores avaliados?
As recomendações da Comissão de Avaliação podendo, em abstracto, fazer sentido do ponto de vista teórico, não ajudam à concretização da implementação do modelo por não estarem minimamente reunidas condições para a sua aplicação, tornando-se por isso inúteis.
Pelo que foi dito não restam dúvidas que o actual modelo de avaliação é injusto, confuso e não exequível. Em vez de “contribuir para melhorar a prática pedagógica, valorizar o trabalho e a profissão, promover o trabalho de colaboração” fomenta conflitos e, em virtude da sua questionável exequibilidade, tem implicações negativas na prática pedagógica e na qualidade da escola pública.
Parece evidente que o único objectivo atingível é a introdução de quotas para efeitos de progressão na carreira docente. Mas mesmo este objectivo está colocado em causa pelo congelamento anunciado.
De acordo com a alínea d) do nº 2 do Artigo 14.º do Decreto Lei 2/2010, compete ao relator:
“ … Apresentar ao júri de avaliação uma ficha de avaliação global, que inclui uma proposta de classificação final”
Mas como pode ele fazê-lo com imparcialidade, se se insiste na determinação das quotas da ADD por Agrupamento de Escolas não considerando o universo de professores por grupos específicos.
Também no Decreto Lei 75/2010 pode ler-se no número 3 do artigo 46º:
3 — Por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da educação e da Administração Pública são fixadas as percentagens máximas para a atribuição das classificações de Muito bom e Excelente, por escola não agrupada ou agrupamento de escolas, as quais terão por referência os resultados obtidos na avaliação externa da escola.
A inexistência de quotas por grupos de docentes faz com que a ADD assente num princípio em que o Relator sendo parte interessada na proposta de classificação final discrimina o grupo dos avaliados não relatores.
Avaliadores e avaliados são concorrentes na mesma carreira profissional, o que fere inapelavelmente as garantias de imparcialidade.
As perspectivas de progressão na carreira de cada professor dependem, não apenas da sua própria classificação, como também da que os outros professores da mesma escola/agrupamento tiverem. Ora, avaliados e avaliadores pertencem à mesma escola/agrupamento e são muitas vezes concorrentes aos mesmos escalões da carreira, o que (por si só) constitui um forte motivo de impedimento.
E, mesmo quando pertencem a escalões diferentes, é óbvio que o avaliador tem interesse directo nas classificações atribuídas ao seu avaliado: se estiver posicionado em escalão superior, só terá a perder com a subida de escalão daquele, pois tornar-se-á concorrente directo numa futura transição de carreira, aumentando ainda as hipóteses de o poder vir a substituir como avaliador; se, o que a lei permite em determinados casos, o avaliador pertencer a um escalão de carreira inferior ao do seu avaliado, é-lhe oferecida a possibilidade de, através da classificação que atribuir, o fazer marcar passo na carreira e poder alcançá-lo, conferindo assim solidez ao seu recém-adquirido estatuto de avaliador.
Independentemente dos incontornáveis impedimentos legais, dificilmente se poderia conceber um esquema mais maquiavélico de “avaliação entre pares”, que só poderá ter como resultado a degradação do clima de trabalho na escola. Quanto ao princípio da imparcialidade, foi feito em pedaços.
Assim, de acordo com as alíneas a), c) e d) do artigo 44º do Código do Procedimento Administrativo, declaro o meu impedimento em avaliar os docentes que me foram confiados no processo de ADD, bem como, ao abrigo dos números 1 e 2 do artigo 48º do Código do Procedimento Administrativo, solicito escusa do cargo de relator para o qual fui nomeado.
Peço deferimento,
João António Cavaco Medeiros
(Professor de Economia do Grupo 430)"
Presidente da Comissão Administrativa Provisória
Agrupamento de Escolas da Moita
Dra. Isabel Roma
ASSUNTO: Pedido de escusa do cargo de relator
O artigo 40º do Estatuto da Carreira Docente, intitulado “Caracterização e objectivos da avaliação do desempenho” refere, no ponto 3, alíneas a), b) e h), respectivamente: “contribuir para a melhoria da prática pedagógica do docente”; “contribuir para a valorização do trabalho e da profissão docente” e “promover o trabalho de cooperação entre os docentes, tendo em vista a melhoria do seu desempenho”.
Contudo, a realidade da nossa escola, no decurso do seu labor quotidiano, corre o risco de comprometer esse objectivo. As tarefas burocráticas exigidas ao professor/relator vêm ocupar o tempo destinado à preparação das actividades lectivas, à construção de materiais didácticos que se querem inovadores, ao acompanhamento de projectos diversos. Além disso, a existência de quotas vai perturbar a vida escolar pois suscita a competição entre pares e põe em causa o trabalho colaborativo. Como poderia este modelo de avaliação – em que se é relator de um seu parceiro e em que se concorre com ele por meio de quotas – contribuir para a melhoria da função docente?
A aplicação deste modelo de avaliação tem implicações negativas no funcionamento da escola, nomeadamente a nível das relações interpessoais e da redução das horas de acompanhamento dos alunos.
O modelo envolve, de forma continuada, todos os professores como avaliados e muitos como avaliadores, num processo complexo em que os avaliadores não estão legitimados, pese o questionável critério da senioridade, imposto pela lei.
A avaliação é feita pelos pares. Avaliados e avaliadores concorrem às mesmas quotas sem que estejam garantidos os princípios da isenção e de ausência de conflito de interesses.
A prioridade estabelecida para este processo e o tempo que inevitavelmente consumirá conduzirá à redução das horas de acompanhamento dos alunos.
O tempo necessário para fazer o acompanhamento de todos os professores, tendo em conta padrões de desempenho, definição de instrumentos de avaliação, preenchimento das fichas de avaliação, realização de reuniões da Comissão de Avaliação e Júri de Avaliação, assistências a aulas, entrevistas, etc…, acabará inevitavelmente também por recair sobre a componente de trabalho individual dos professores tão essencial à preparação de aulas, produção de materiais, correcção de trabalhos, etc…
Apesar de estarmos a poucos meses do fim do ciclo de avaliação em curso e cuja duração foi fixada em dois anos, existem inúmeras dúvidas, lacunas e incongruências legais.
Sendo as quotas (% de Muito Bons e Excelentes) por escola, como se resolve o conflito de interesses existente quando elementos da Comissão de Avaliação e relatores concorrem à mesma quota dos professores a quem atribuem Excelente ou Muito Bom?
Qual a legitimidade de os coordenadores poderem assistir a aulas dos relatores e o Director dos coordenadores, não avaliando a qualidade científica do trabalho? Faz sentido separar a dimensão pedagógica da científica, quando se observa uma aula?
A legislação sucessivamente publicada e os esclarecimentos que a DGRHE tem vindo a dar às escolas, por vezes de legalidade duvidosa, não ajudam e confirmam que o modelo não é exequível.
Por exemplo, no que respeita ao tempo, o Decreto Regulamentar nº 2/2010 de 23 de Junho, refere explicitamente no artigo 14º, ponto 3 “Os relatores que não exerçam em exclusividade as funções … beneficiam da redução de um tempo lectivo por cada três docentes a avaliar.” O despacho n.º 11120-A/2010 de organização do ano lectivo, publicado em 6 de Julho de 2010, refere no Artº 8º, ponto 1 “Para efeitos de avaliação do desempenho do pessoal docente deve considerar-se o critério, por relator, de um tempo lectivo semanal para avaliação de três docentes” e a informação da DGRHE – ORGANIZAÇÃO DO ANO ESCOLAR, de 26 de Julho de 2010 – refere “As horas de redução a que os relatores têm direito para o exercício das funções de avaliação de desempenho de outros docentes aplicam‐se em 1º lugar sobre as horas de redução da componente lectiva que o docente beneficia ao abrigo do art.º 79 do ECD e sobre horas da componente não lectiva de estabelecimento e só depois, em caso de insuficiência, na componente lectiva”. A circular B10015847T estabelece que “a função de avaliação dos relatores pelo coordenador de Departamento curricular integra-se nas funções de coordenação deste, não existindo qualquer previsão legal para uma redução específica de componente lectiva em razão desta função”. Ou seja os coordenadores de departamento não têm qualquer tempo destinado ao desempenho das funções de relator, embora possam ter de avaliar vários professores/relatores? Como podem desenvolver, de forma séria, este e todo o trabalho de coordenação previsto na lei e no Regulamento Interno da escola? Afinal há ou não direito a redução da componente lectiva de 1 hora para 3 professores avaliados?
As recomendações da Comissão de Avaliação podendo, em abstracto, fazer sentido do ponto de vista teórico, não ajudam à concretização da implementação do modelo por não estarem minimamente reunidas condições para a sua aplicação, tornando-se por isso inúteis.
Pelo que foi dito não restam dúvidas que o actual modelo de avaliação é injusto, confuso e não exequível. Em vez de “contribuir para melhorar a prática pedagógica, valorizar o trabalho e a profissão, promover o trabalho de colaboração” fomenta conflitos e, em virtude da sua questionável exequibilidade, tem implicações negativas na prática pedagógica e na qualidade da escola pública.
Parece evidente que o único objectivo atingível é a introdução de quotas para efeitos de progressão na carreira docente. Mas mesmo este objectivo está colocado em causa pelo congelamento anunciado.
De acordo com a alínea d) do nº 2 do Artigo 14.º do Decreto Lei 2/2010, compete ao relator:
“ … Apresentar ao júri de avaliação uma ficha de avaliação global, que inclui uma proposta de classificação final”
Mas como pode ele fazê-lo com imparcialidade, se se insiste na determinação das quotas da ADD por Agrupamento de Escolas não considerando o universo de professores por grupos específicos.
Também no Decreto Lei 75/2010 pode ler-se no número 3 do artigo 46º:
3 — Por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da educação e da Administração Pública são fixadas as percentagens máximas para a atribuição das classificações de Muito bom e Excelente, por escola não agrupada ou agrupamento de escolas, as quais terão por referência os resultados obtidos na avaliação externa da escola.
A inexistência de quotas por grupos de docentes faz com que a ADD assente num princípio em que o Relator sendo parte interessada na proposta de classificação final discrimina o grupo dos avaliados não relatores.
Avaliadores e avaliados são concorrentes na mesma carreira profissional, o que fere inapelavelmente as garantias de imparcialidade.
As perspectivas de progressão na carreira de cada professor dependem, não apenas da sua própria classificação, como também da que os outros professores da mesma escola/agrupamento tiverem. Ora, avaliados e avaliadores pertencem à mesma escola/agrupamento e são muitas vezes concorrentes aos mesmos escalões da carreira, o que (por si só) constitui um forte motivo de impedimento.
E, mesmo quando pertencem a escalões diferentes, é óbvio que o avaliador tem interesse directo nas classificações atribuídas ao seu avaliado: se estiver posicionado em escalão superior, só terá a perder com a subida de escalão daquele, pois tornar-se-á concorrente directo numa futura transição de carreira, aumentando ainda as hipóteses de o poder vir a substituir como avaliador; se, o que a lei permite em determinados casos, o avaliador pertencer a um escalão de carreira inferior ao do seu avaliado, é-lhe oferecida a possibilidade de, através da classificação que atribuir, o fazer marcar passo na carreira e poder alcançá-lo, conferindo assim solidez ao seu recém-adquirido estatuto de avaliador.
Independentemente dos incontornáveis impedimentos legais, dificilmente se poderia conceber um esquema mais maquiavélico de “avaliação entre pares”, que só poderá ter como resultado a degradação do clima de trabalho na escola. Quanto ao princípio da imparcialidade, foi feito em pedaços.
Assim, de acordo com as alíneas a), c) e d) do artigo 44º do Código do Procedimento Administrativo, declaro o meu impedimento em avaliar os docentes que me foram confiados no processo de ADD, bem como, ao abrigo dos números 1 e 2 do artigo 48º do Código do Procedimento Administrativo, solicito escusa do cargo de relator para o qual fui nomeado.
Peço deferimento,
João António Cavaco Medeiros
(Professor de Economia do Grupo 430)"
Quem fala assim não é gago...
ResponderEliminarPena não haver mais como este colega...talvez alguém siga o exemplo quem sabe?